Branca de Neve e o Caçador | Crítica
Reinterpretação do conto traz tom mais sombrio à história consagrada pela Disney
Érico Borgo
31 de Maio de 2012
No conto dos Irmãos Grimm, registrado da tradição oral europeia no século 19, a história da Branca de Neve não tem nada da doçura que Walt Disney consagrou na primeira animação longa-metragem da história. Mas na cultura pop, com raras exceções, a história seguiu o tom estabelecido pelo estúdio. Em Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Hunstman, 2012), porém, resgata-se a violência psicológica do original, ao mesmo tempo dando à história novas reviravoltas e qualidades, tornando-a mais uma vez relevante em tempos em que o desejo de ser princesa evanesce cada vez mais cedo.
Projeto do diretor de cinema de primeira viagem Rupert Sanders, egresso do mercado publicitário, o filme foi vendido em Hollywood como um épico com qualidades - na medida do possível - realistas. Para convencer a indústria, em que circulavam outros vários projetos baseados no conto, de que sua história tinha algo diferente, Sanders criou cenas inteiras do filme com o auxílio de casas de finalização. O resultado impressionou - e quem viu, diz que esse "rascunho" difere do original apenas nos rostos, já que foi filmado com desconhecidos - e o projeto foi realizado com qualidades de épico que lembram mais O Senhor dos Anéis do que o que se espera de uma Branca de Neve, em especial no belo registro fotográfico.
Ainda que não seja efetivamente gráfico em sua violência, Branca de Neve e o Caçador tem algumas imagens de impacto, potencializadas pela interpretação de seu elenco. Charlize Theron, a Rainha Ravenna, entrega-se com intensidade ao papel, elevando a aura de malignidade da personagem, que também ganha aqui um passado bem desenvolvido. As motivações da protagonista, graças ao roteiro e aos esforços da atriz, pode até de certa forma ser compreendida, ainda que suas atitudes continuem questionáveis. Do outro lado, Kristen Stewart, a Branca de Neve, garante à princesa uma força inexistente em qualquer outro filme baseado na história, uma qualidade de liderança, de força, mas sem perder a feminilidade ou tornar-se uma super-heroína. Essas qualidades são exploradas também em uma tribo de mulheres, cujas faces são marcadas para torná-las estéticamente feias, permitindo que elas possam escapar do jugo conhecido do espelho da Rainha e sua busca contínua pela "mulher mais bela" do reino.
Menos interessantes são os papeis masculinos, que são um tanto alegóricos. Com a intenção de relacionar este filme com a Saga Crepúsculo, de olho em uma base de fãs já estabelecida, o marketing faz parecer que a Branca de Neve está de certa maneira dividida entre o Caçador (Chris Hemsworth) e o Príncipe (Sam Claflin). Mas a verdade é que há pouquíssimo espaço para romance ou cortejo na trama, enquanto uma força maligna sobrenatural assola o reino, consumindo-o como uma praga. Mesmo assim, sem o lado romântico que seria previsível, tais papeis trazem muito pouco de novo em termos de heróis de épicos fantásticos. Bem mais interessantes são os oito anões, vividos por excelentes atores britânicos (Ian McShane, Eddie Izzard, Bob Hoskins, Toby Jones, Ray Winstone, Eddie Marsan, Steve Graham e Nick Frost), que os interpretam como integrantes de uma gangue barra-pesada londrina.
Entre os momentos menos inspirados do filme estão uma sequência de ação gratuita contra um troll, que muito pouco agrega à trama (mas é visualmente bacana), e elementos fantásticos "do bem" (o bosque encantado é superbrega) que não são tão interessantes quanto todo o resto (em especial a Rainha e seus malefícios). De qualquer maneira, o filme consegue usar satisfatoriamente ícones conhecidos da história de maneiras novas, como mecanismos inteligentes que funcionam a serviço da narrativa. Ao final, há muito o que apreciar nesta nova versão de Branca de Neve, mas o suficiente para ignorar também.
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